PLEBISCITO DE FICÇÃO PROPOSTO PELO CHEFE DO EXECUTIVO MUNICIPAL DE IGARAPÉ-MIRÍ É INCONSTITUCIONAL E SEM CREDIBILIDADE JURÍDICA

Talvez nem fosse necessário gastar muitas linhas com atitudes claramente demagógicas que apareceram neste mês de julho em Igarapé-Miri oriunda do governo municipal, mas o Professor Paulo Sérgio resolveu encarar o desafio de escrever sobre o tema PLEBISCITO, mas, como de costume, de maneira técnica e jurídica.

Plebiscito é coisa séria e as consultas e todas as manifestações populares são de grande valia para o processo democrático.

Vejam o artigo que foi cedido ao GM e a outros blogs locais:

PLEBISCITO DE FICÇÃO PROPOSTO PELO CHEFE DO EXECUTIVO MUNICIPAL DE IGARAPÉ-MIRÍ É INCONSTITUCIONAL E SEM CREDIBILIDADE JURÍDICA

Paulo Sérgio de Almeida Corrêa

Licenciado em Pedagogia. Bacharel em Direito. Doutor em Educação. Professor Associado na Faculdade de Educação. Programa de Pós-Graduação. Instituto de Ciências da Educação. Faculdade de Direito do Instituto de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Pará. Lidera os Grupos de Pesquisa NUPECC – Núcleo de Pesquisas e Estudos sobre Crime e Criminalidade; e o NEPEC – Núcleo de Pesquisas e Estudos em Currículo. E-mail: paulosac@ufpa.br

 

Introdução

Inconformado e insatisfeito com a promissora realização da Audiência Pública ocorrida no dia 10 de julho de 2014, na Barraca de Sant’Ana, na Cidade de Igarapé-Mirí, o Chefe do Executivo Municipal dessa Cidade se desesperou e produziu duas respostas a essa democrática reunião de exercício de cidadania política: na primeira, utilizou espaço na Rádio Progresso, administrada pelo Sr. Carmo Lourinho, e se precipitou a proferir acusações e ameaças a diversas pessoas que haviam se pronunciado ou participado daquele encontro; na segunda, trouxe a público um certo documento relacionado à realização de Plebiscito sobre matéria de Segurança Pública, conforme consta do texto abaixo:

Neste artigo tenho como finalidade elucidar o que é um Plebiscito e de que forma está ele regulamentado no ordenamento jurídico constitucional e leis ordinárias, bem como demonstrar a fragilidade e inconstitucionalidade da suposta consulta popular idealizada e colocada em prática pelo GOVERNO DE MÃOS DADAS COM O POVO: A GRANDE OBRA É CUIDAR DO POVO.

Na construção deste trabalho examinei o texto da Constituição da República Federativa do Brasil, da Constituição do Estado do Pará, da Lei Orgânica Municipal de Igarapé-Mirí, da nº 9.709, de 18 de novembro de 1998, e de algumas das manifestações públicas realizadas pelo cidadão por meio da rede de relacionamentos Facebook e do Blog Folha de Igarapé-Mirí.

Chama atenção a forma utilizada para propagar a decisão do Chefe do Executivo Municipal, a fim de consolidar opiniões favoráveis a respeito do Plebiscito, pois, a rede social de relacionamentos virtuais (facebook) tornou-se o dispositivo eletrônico adotado para atingir essa pretensão. Isto significa que o tal Projeto de Plebiscito derivou de uma suposta deliberada vontade/interesse do Prefeito, mas que abrange matéria constitucional, por tratar do bem jurídico Segurança.

Segundo consta do documento impresso em papel comum, sem logomarca oficial e tampouco a assinatura do Excelentíssimo Sr. Prefeito, a consulta popular averiguará “Se a Prefeitura continua cooperando com os órgãos de segurança, ou não interfere mais nessa área e deixa toda a responsabilidade para o governo do estado, como fez governo anterior”.

As respostas do povo ao Plebiscito incidiriá em uma das duas opções: quem escolher o sim indicará que “deseja que a Prefeitura continue atuando, conjuntamente com as polícias, no combate ao crime em Igarapé-Mirí”; assinalando a alternativa Não, significa que “Deseja que a Prefeitura se afaste totalmente desse assunto e deixe essa responsabilidade somente sob responsabilidade das duas polícias estaduais”.

Nas redes sociais o Plebiscito vem gerando dúvidas no cidadão/eleitor, posto que desconhecido o Projeto, inexistiu debate público sobre relevante assunto e tampouco essa consulta fora submetida ao exame do Poder Legislativo da Câmara Municipal.

Atônito com a medida, o cidadão inconformado tenta obter maiores esclarecimentos sobre o assunto ao redigir: “Alguém pode me informar o que aconteceu com o plebiscito que o Prefeito criou?, onde são os locais de votação? Ou é só mais uma de suas promessas?”

São pertinentes as dúvidas suscitadas pelo cidadão, posto haver necessidade de, no Projeto de Plebiscito, regulamentar a matéria prevendo, inclusive, área de incidência, os locais de votação e o público apto a votar.

Outra manifestação publicada no Blog Folha de Igarapé-Mirí[1] registra a indignação do cidadão que chega a classificar como “ideias bizarras” as iniciativas do Prefeito Municipal, o qual teria disponibilizado “um carro som” a fim de mobilizar a população a comparecer aos locais de votação designados à consulta pública:

PREFEITO PROPÕE PLEBISCITO CONTROVERSO

O Prefeito Municipal de Igarapé-Miri em mais uma de suas ideias bizarras, colocou um carro som na rua para divulgar que estará em breve realizando um plebiscito para saber se continua agindo no apoio as forças de segurança (civil e militar) ou se faz igual as gestões anteriores que deixaram apenas sob responsabilidade do Estado, que diga-se de passagem é o grande responsável.

Diante dos fatos ficam-nos alguns questionamentos:

1- Esse plebiscito foi levado para apreciação da Câmara dos Vereadores?

2- Qual a empresa responsável a coletar os dados e garantir a confiabilidade do processo?

3- Por que o Prefeito não faz o seu papel, que é o de dar expediente e administrar o município, e deixa a as polícias fazerem o seus respectivos papéis?

Acreditamos que o dever do município é criar estratégias para a implantação de politicas públicas que busquem o fortalecimento da educação, a geração de emprego e renda, a construção de espaços de lazer e de formação para os jovens e a reconstrução da matriz familiar.

Como dizia certo personagem televisivo: “pergunta idiota, tolerância zero!”

 

Os questionamentos formulados evidenciam que a matéria relacionada ao Plebiscito parece não ter seguido o trâmite legislativo e deixou de ser apreciada pelos Vereadores e decidida na esfera competente da Câmara Municipal, como também levanta suspeita sobre o órgão que se responsabilizará pela realização do sufrágio, uma vez que tal prerrogativa é da Justiça Eleitoral.

Será que o Projeto de Plebiscito idealizado pelo Chefe do Executivo Municipal de Igarapé-Mirí possui segurança jurídica em termos de sua concepção e forma de encaminhamento, ou, por ser uma ficção, padece de inconstitucionalidade na sua viabilização?

Construí meus argumentos em três etapas: na primeira, analisei os institutos do Referendo e Plebiscito na história política do Brasil, em seguida abordei a constitucionalidade do Plebiscito, posteriormente discuti a Segurança como bem jurídico previsto enquanto Direito Fundamental, fechando a análise com as Conclusões.

Referendo e Plebiscito na história política do Brasil

No transcurso da história política brasileira, poucas vezes o povo fora convocado para se pronunciar sobre matérias de interesse público nacional ou estadual.

O quadro abaixo demonstra as raras vezes em que o povo foi provocado a se manifestar de forma antecipada ou posteriormente à formulação de lei ou tomada de decisão por parte do Gestor Público, quer em âmbito nacional ou estadual.

No caso do Plebiscito, o alvo da consulta foi, no ano de 1993, a forma e sistema de governo, mas, no ano de 2011 houve nova consulta tratando da possibilidade ou não do desmembramento da Unidade Federada do Pará e a criação de mais dois Estados (Carajás e Tapajós).

Quanto ao Referendo, em 1963 houve consulta envolvendo a continuidade ou não do sistema parlamentarista, tendo sido rejeitado este em favor do presidencialismo. Por sua vez, no ano de 2005, a proibição do comércio de armas de fogo e munições no país se tornou a matéria alvo da consulta popular.

Ano Tipo de Consulta
Plebiscito Referendo
 

 

1963

Em 6 de janeiro de 1963, foi realizado referendo que definiria os rumos políticos da nossa história. A consulta foi sobre a continuação ou não do parlamentarismo no país. O povo rejeitou esse sistema de governo e optou pelo presidencialismo.
 

 

1993

Em 21 de abril de 1993, foi realizado plebiscito que demandava escolher monarquia ou república e parlamentarismo ou presidencialismo. Essa consulta consolidou a forma e o sistema de governo atuais.
 

 

 

2005

No dia 23 de outubro de 2005, o povo brasileiro foi consultado sobre a proibição do comércio de armas de fogo e munições no país.
A alteração no art. 35 do Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003) tornava proibida a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6º do estatuto. Como o novo texto causaria impacto sobre a indústria de armas do país e sobre a sociedade brasileira, o povo deveria concordar ou não com ele. Os brasileiros rejeitaram a alteração na lei.
 

 

 

2011

As consultas feitas no Estado do Pará tratam da possibilidade de desmembramento dessa unidade federativa e da criação de mais dois estados nessa região – Carajás e Tapajós –, nos termos dos decretos legislativos nº 136/2011nº 137/2011.

Fonte: Tribunal Superior Eleitoral. http://www.tse.jus.br/eleicoes/plebiscitos-e-referendos

Percebe-se, portanto, que tanto no caso do Plebiscito quanto do Referendo, o Poder Público se dirige ao povo a fim de consultá-lo prévia ou posteriormente sobre determinada matéria que envolve o interesse público e, portanto, o bem comum.

Sobre a constitucionalidade do Plebiscito

Uma consulta ao sítio eletrônico do Tribunal Superior Eleitoral http://www.tse.jus.br/eleicoes/plebiscitos-e-referendos é suficiente para entender a diferença entre Plebiscito e Referendo:

Plebiscito e referendo são consultas ao povo para decidir sobre matéria de relevância para a nação em questões de natureza constitucional, legislativa ou administrativa.

A principal distinção entre eles é a de que o plebiscito é convocado previamente à criação do ato legislativo ou administrativo que trate do assunto em pauta, e o referendo é convocado posteriormente, cabendo ao povo ratificar ou rejeitar a proposta.

Ambos estão previstos no art. 14 da Constituição Federal e regulamentados pela Lei nº 9.709, de 18 de novembro de 1998. Essa lei, entre outras coisas, estabelece que nas questões de relevância nacional e nas previstas no § 3º do art. 18 da Constituição – incorporação, subdivisão ou desmembramento dos estados –, o plebiscito e o referendo são convocados mediante decreto legislativo. Nas demais questões, de competência dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, o plebiscito e o referendo serão convocados em conformidade, respectivamente, com a Constituição Estadual e com a Lei Orgânica.

 

Com o Projeto de Plebiscito, o que se pretende é obter manifestação prévia da população sobre determinado assunto envolvendo matéria de interesse coletivo geral, sendo anterior ao ato legislativo ou administrativo.

O Plebiscito na Constituição Federal do Brasil de 1988

Do ponto de vista de sua legalidade, o Plebiscito é matéria de caráter constitucional prevista no art. 14 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Representa, portanto, uma forma de exercício da soberania popular que decide, mediante o direito de sufrágio, sobre determinado assunto submetido à consulta pública.

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

I – plebiscito;

II – referendo;

III – iniciativa popular.

 

Dada a ordem de importância assumida pelo instituto do Plebiscito, sua realização requer que seja observada não apenas a Carta Política Maior, mas também os regramentos constitucionais das Unidades Federadas e aqueles previstos nas Leis Orgânicas de cada Município, o que confere obediência aos princípios da Administração Pública, anunciados no art. 37 da Constituição do Brasil.

É de tão relevante importância o Plebiscito que a matéria está devidamente regulamentada mediante Lei nº 9.709, de 18 de novembro de 1998[2], a qual “Regulamenta a execução do disposto nos incisos I, II e III do art. 14 da Constituição Federal”, ou seja, tal legislação se aplica aos casos em que se queira efetivar a realização de Plebiscito, Referendo e Iniciativa Popular, sempre que implicar assunto de interesse público.

Conforme previu o art. 2º da mencionada Lei, “Plebiscito e referendo são consultas formuladas ao povo para que delibere sobre matéria de acentuada relevância, de natureza constitucional, legislativa ou administrativa”. E em seu § 1º dispõe: “O plebiscito é convocado com anterioridade a ato legislativo ou administrativo, cabendo ao povo, pelo voto, aprovar ou denegar o que lhe tenha sido submetido”.

Nota-se que para que um assunto se converta em alvo de consulta popular, o interessado há que demonstrar seu cabimento em termos da natureza jurídica da matéria alvo da manifestação: se é constitucional, legislativa ou administrativa.

Em se tratando de questões envolvendo assunto de relevância nacional, a competência para elaboração do Projeto e convocação de Plebiscito recai sobre o Poder Legislativo ou Executivo, sendo o Decreto o instrumento hábil, mas que requer manifestação da Casa Legislativa.

Art. 3o Nas questões de relevância nacional, de competência do Poder Legislativo ou do Poder Executivo, e no caso do § 3o do art. 18 da Constituição Federal, o plebiscito e o referendo são convocados mediante decreto legislativo, por proposta de um terço, no mínimo, dos membros que compõem qualquer das Casas do Congresso Nacional, de conformidade com esta Lei.

Uma vez que não se trate de matéria concernente à incorporação de Estados entre si, subdivisão ou desmembramento, as questões que envolvam interesses dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, adquirem rito em conformidade com o previsto nas Constituições estaduais e nas Leis Orgânicas Municipais, segundo fixa o art. 6º da Lei nº 9.709/1998.

Art. 6o Nas demais questões, de competência dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, o plebiscito e o referendo serão convocados de conformidade, respectivamente, com a Constituição Estadual e com a Lei Orgânica.

 

Após ser aprovado o ato de convocação para o Plebiscito pelo Poder Legislativo, a Justiça Eleitoral deve tomar conhecimento do assunto a fim de que possa definir data, confeccionar cédula, expedir instruções, e assegurar aos partidos e frentes partidárias da sociedade civil o debate público nos meios de comunicação.

Art. 8o Aprovado o ato convocatório, o Presidente do Congresso Nacional dará ciência à Justiça Eleitoral, a quem incumbirá, nos limites de sua circunscrição:

I – fixar a data da consulta popular;

II – tornar pública a cédula respectiva;

III – expedir instruções para a realização do plebiscito ou referendo;

IV – assegurar a gratuidade nos meio de comunicação de massa concessionários de serviço público, aos partidos políticos e às frentes suprapartidárias organizadas pela sociedade civil em torno da matéria em questão, para a divulgação de seus postulados referentes ao tema sob consulta.

 

Além disso, o Tribunal Superior Eleitoral constitui órgão do Poder Judiciário habilitado para homologar os resultados da consulta popular via Plebiscito, conforme estabelece o art. 10 da citada Lei: “O plebiscito ou referendo, convocado nos termos da presente Lei, será considerado aprovado ou rejeitado por maioria simples, de acordo com o resultado homologado pelo Tribunal Superior Eleitoral”.

No caso da tramitação do Projeto de Plebiscito, há ritual específico a cumprir, uma vez que, em termos da legislação infraconstitucional, fixa o art. 12 que “A tramitação dos projetos de plebiscito e referendo obedecerá às normas do Regimento Comum do Congresso Nacional”.

O Plebiscito na Constituição do Estado do Pará

Ao tratar Da Soberania Popular, a Constituição do Estado do Pará define em que consistiria o Plebiscito e a quem compete a iniciativa de demandá-lo:

  1. 7°. Através de plebiscito, o eleitorado se manifestará, especificamente, sobre fato, medida, decisão política, programa ou obra pública, e, pelo referendo, sobre emenda à Constituição, lei, projetos de emenda à Constituição e de lei, no todo ou em parte.
  • 1°. Pode requerer plebiscito ou referendo:

I – um por cento do eleitorado estadual;

II – o Governador do Estado;

III – um quinto, pelo menos, dos membros da Assembleia Legislativa.

 

No estrito limite da Constituição estadual, vê-se que “fato, medida, decisão política, programa ou obra pública”, podem ser submetidos à consulta pública por meio do Plebiscito, sendo diversos os atores capazes de interferir na iniciativa de formulação do Projeto: o eleitorado estadual, Governador, membros da Assembleia Legislativa, tratando-se desta instância “A realização do plebiscito ou referendo depende de autorização da Assembleia Legislativa”, nos termos do § 2º do art. 7º.

A matéria submetida à apreciação pública será decidida por maioria de votos, garantindo-se, portanto, a participação efetiva da população afetada na área de incidência da consulta:

  • 3°. A decisão do eleitorado, através de plebiscito ou referendo, considerar-se-á tomada, quando obtiver a maioria dos votos, desde que tenham votado, pelo menos, mais da metade dos eleitores, e, tratando-se de emenda à Constituição, é exigida a maioria absoluta de votos, não computados os em branco e os nulos.
  • 4°. É permitido circunscrever plebiscito à área ou população diretamente interessada na decisão a ser tomada, o que deve constar do ato de convocação, cabendo recurso à instância judiciária competente, se algum cidadão, Município ou o Estado considerar-se excluído da decisão que possa lhe trazer conseqüências, devendo ser estabelecida pela lei a competência para requerer e convocar o plebiscito, neste caso, bem como os demais aspectos de sua realização.

 

O Projeto de Plebiscito constitui instrumento essencial para instaurar o processo de consulta, logo, deve ser apreciado na Assembleia Legislativa que, por conseguinte, realizará a convocação pública ostensiva nos meios de comunicação.

Os entes municipais, por força do que dispõe a Constituição do Estado do Pará, ficam autorizados a regulamentar o Plebiscito, quando determinou no art. 9° “A lei municipal regulará, no que couber, a matéria tratada neste capítulo, estabelecendo a iniciativa popular de projetos de lei de interesse específico do Município, da cidade ou de bairros, através de manifestação de, pelo menos, cinco por cento do eleitorado”.

A Lei Orgânica do Município de Igarapé-Mirí e o Instituto do Plebiscito

Quando tratou Da Soberania Popular, a Lei Orgânica do Município de Igarapé-Mirí, em seu art. 7º, reiterou as mesmas preocupações em torno do exercício da soberania popular sobre Plebiscito, Referendo e Iniciativa Popular, previstas na Constituição Federal e na Estadual do Pará.

No âmbito da LOMIM, o instituto do Plebiscito tem como alvo as mesmas matérias indicadas na Constituição Estadual, e determina o eleitorado municipal, o Prefeito e os Vereadores como competentes para sua interposição, onde a Câmara Municipal, uma vez apreciado e votado o Projeto de Plebiscito, autorizará sua realização:

Art. 8º. Através do plebiscito, o eleitorado se manifestará especificamente, sobre fato, decisão política, programa ou obra pública, e, pelo referendo, sobre emenda à Lei Orgânica, lei, projetos de emenda à Lei Orgânica e de lei, no todo ou em parte.

  • 1º. Pode requerer plebiscito ou referendo:

I – três (3%) por cento do eleitorado municipal;

II – o Prefeito Municipal;

III – um (1/5) quinto, pelo menos, dos Vereadores.

  • 2º. A realização do plebiscito ou referendo depende de autorização aprovada na Câmara Municipal de Igarapé Miri por, pelo menos, três (3/5) quintos dos vereadores.

 

A decisão favorável ou não à matéria submetida à consulta pública, dar-se-á por meio da maioria dos votos da metade dos eleitores de toda a área abrangida pelo Plebiscito, conforme expressa os §§ 3º e 4º do art. 8º da LOMIM:

  • 3º. A decisão do eleitorado, através de plebiscito ou referendo, considerarse-á tomada, quando obtiver a maioria dos votos, desde que tenha votado, pelo menos, mais da metade dos eleitores, e, tratando-se de emenda à Lei Orgânica, a maioria absoluta dos votos, não computados os em branco e os nulos.
  • 4º. É permitido circunscrever plebiscito à área ou população diretamente interessada na decisão a ser tomada, o que deve constar do ato de convocação, cabendo recurso à instância judiciária competente, se alguma pessoa, física ou jurídica, considerar-se excluída da decisão que possa lhe trazer consequências, na forma da lei.

 

Verifica-se que, tanto na Constituição Federal, quanto na Estadual e na Lei Orgânica Municipal de Igarapé-Mirí, a matéria alvo do plebiscito jamais poderá incidir sobre assunto versando sobre os Direitos e Garantias Individuais e Coletivos, conhecidos como Direitos Fundamentais, até porque estes são albergados no texto constitucional[3] como Cláusula Pétrea[4], portanto, não podem ser alterados por Emenda Constitucional, muito menos por um Plebiscito de ficção, o qual visa abolir a responsabilidade do Gestor Municipal em matéria de Segurança.

A Segurança como bem jurídico previsto enquanto Direito Fundamental

Considerando-se o Ordenamento Jurídico brasileiro, nota-se que o bem jurídico Segurança ganhou relevante posição na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, mas também goza do mesmo privilégio conferido pela Constituição do Estado do Pará e da Lei Orgânica Municipal de Igarapé-Mirí.

Segurança como bem jurídico inviolável

Por força do dispositivo constitucional que previu a Segurança como um direito e garantia fundamental, ela deve ser assegurada a todos os indivíduos, sendo, portanto, um bem jurídico inviolável.

  1. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

 

Sabendo-se que, segundo estabelece o art. 18 da Constituição Federal, a organização política do Estado brasileiro é composta pela indissolúvel relação entre União, Distrito Federal, Estados e Municípios, compete a todos esses entes o zelo para com a defesa do bem jurídico Segurança.

Assim, a Segurança Pública se destina a realizar a defesa do Estado e das instituições democráticas. Por outro lado, o art. 144 da Constituição de 1988 fixa que “A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:” (polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis, polícias militares e corpos de bombeiro militares), sendo previsto inclusive a criação de Guarda Municipal, na conformidade do § 8º desse dispositivo legal.

Segurança como direito fundamental amparado na Constituição do Pará

O texto constitucional do Pará igualmente previu a Segurança como um direito individual e coletivo fundamental, destacando sua inviolabilidade por parte de quem quer que seja.

  1. 4º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Estado a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos da Constituição Federal e desta Constituição.
  2. 5º. O Estado do Pará acolhe, expressamente, insere em seu ordenamento constitucional e usará de todos os meios e recursos para tornar, imediata e plenamente efetivos, em seu território, os direitos e deveres individuais e coletivos, os direitos sociais, de nacionalidade e políticos, abrigados no Título II da Constituição Federal.
  • 1°. Será punido, na forma da lei, o agente público, independentemente da função que exerça, que violar os direitos constitucionais.

 

Segundo se observa pelo conteúdo expresso no art. 5º, também é dever do Estado do Pará tornar efetivo esse direito na extensão de todo seu território, sendo passível de punição o agente público que incidir em violações a tal bem jurídico.

Em suas Disposições Gerais ao tratar Da Segurança Pública, a Constituição do Estado do Pará fixou no art. 193 que essa matéria constitui dever e direito não apenas do ente estatal, mas de todos, cujas atividades devem ser prestadas com eficiência:

  1. 193. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos, subordinados ao Governador do Estado:

I – Polícia Civil;

II – Polícia Militar;

III – Corpo de Bombeiros Militar.

  • 1°. A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades, definindo suas competências, estruturando suas carreiras e fixando direitos, deveres, vantagens e regime de trabalho de seus integrantes.
  • 2°. A política de segurança pública do Estado deverá, no prazo que dispuser a lei, ser submetida à Assembléia Legislativa, para apreciação em audiência pública, com a participação da sociedade civil.
  • 3°. Os órgãos públicos garantirão a qualquer entidade ou pessoa ligada à defesa dos direitos humanos o acesso a dados, informações, inquéritos judiciais e extrajudiciais, inclusive militares, sobre violência e constrangimento ao ser humano.
  • 4°. As polícias civil e militar não intervirão em questão possessória e despejo, salvo necessidade de atuação preventiva, flagrante delito ou ordem judicial, e, na atuação preventiva ou cumprimento de ordem judicial, sob a responsabilidade ou comando de delegado de carreira ou oficial militar, conforme o caso, ficando, solidariamente, responsáveis essas autoridades por eventuais excessos e desrespeitos aos direitos humanos.
  • 5°. É dever dos órgãos responsáveis pela segurança pública dar aos policiais civis e militares formação, capacitação e treinamento especializados para o trato de questões relativas a crianças e adolescentes.

Segundo os preceitos constitucionais do Pará, o Estado ao propor sua política de segurança pública, deve a mesma ser apreciada na Assembleia Legislativa e submetida a debate público, por meio de audiência específica, que deve contar com a participação da população da sociedade civil.

Por sua vez, todos os órgãos públicos são obrigados a garantir “a qualquer entidade ou pessoa ligada à defesa dos direitos humanos” total “acesso a dados, informações, inquéritos judiciais e extrajudiciais, inclusive militares”, concernentes à violência e toda forma de violação de direitos. Inclusive para o caso de questões que envolvem crianças e adolescentes, os membros da corporação policial devem receber “formação , capacitação e treinamento” específicos.

Lei Orgânica Municipal de Igarapé-Mirí garante a Segurança como direito fundamental

Quando realizei a análise do texto da Lei Orgânica Municipal de Igarapé-Mirí, sobressaiu a constatação de que também no âmbito desse Município o bem jurídico Segurança encontra-se preservado enquanto direito fundamental.

Art. 5º. E assegurado no Município o direito à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção, à maternidade e à infância, à assistência aos desamparados, ao transporte, à habitação e ao meio ambiente equilibrado.

Parágrafo Único: Na impossibilidade comprovada de exercer, imediata e

eficazmente, a garantia prevista no “caput”, o Poder Municipal tem o dever de estabelecer programas e organizar planos para a erradicação da pobreza absoluta, hipótese em que a exigibilidade do direito à existência digna se circunscreve à execução tempestiva das etapas previstas nos aludidos planos e programas.

 

Sempre que se julgar impossibilitado de assegurar tal direito, o Poder Municipal estará obrigado a “estabelecer programas e organizar planos” com intuito de combater a “pobreza absoluta”. Isto significa que, somente nessa hipótese, faculta-se ao Poder Público fixar planos e programas oficiais dirigidos à erradicação da pobreza na Cidade.

Por mais que esteja prevista essa faculdade ao ente municipal, deve o Gestor Público mobilizar os “meios e recursos” para tornar efetivos os direitos, particularmente aquele relacionado à Segurança.

Art. 6º. O Município usará de todos os meios e recursos para tornar, imediata e plenamente efetivos, em seu território, os direitos e deveres individuais e coletivos, os direitos sociais, de nacionalidade e políticos, abrigados no Título II da Constituição Federal.

  • 1º. Será punido, na forma da lei, o agente público, independentemente da função que exerça, que violar os direitos constitucionais.
  • 2º. Incide na penalidade de destituição de mandato administrativo ou de cargo ou função de direção, em órgão da administração direta ou indireta, o agente público que, dentro de noventa dias do requerimento do interessado, deixar, injustificadamente, de sanar omissão inviabilizadora do exercício de direito constitucional e desta Lei.

 

O descumprimento de tal preceito gera punições, as quais poderão implicar na perda de mandato administrativo ou do cargo ou função de direção, ao agente público implicado com a situação violadora do direito fundamental.

Conclusões

O instituto do Plebiscito está amparado por regras constitucionais e legislação específica, o que implica dizer que sua realização requer estrita observação às regras em vigor, sob pena de não ter reconhecida sua existência no mundo jurídico.

Embora a iniciativa tenha sido do Chefe do Poder Executivo, da forma como foi desencadeado o extraterrestre Plebiscito no território do Município de Igarapé-Mirí, o processo padece de diversas violações configuradas em 8 (oito) anomalias:

  • É destituído de um consistente Projeto de Plebiscito;
  • Não tramitou na Câmara Municipal;
  • Afronta a Constituição Federal, Estadual e a Lei Orgânica Municipal, bem como contraria os dispositivos previstos na Lei nº 9.709/1998;
  • Os partidos políticos e a sociedade civil foram alijados;
  • O ato preparatório não foi comunicado à Justiça Eleitoral;
  • Não está provido com órgão eleitoral na sua condução;
  • Insurge-se contra Cláusula Pétrea fixada no ordenamento constitucional federal;
  • Não goza de qualquer credibilidade jurídica.

A Segurança representa um bem jurídico essencial na vida de todo e qualquer cidadão, cabendo sua defesa e promoção ao Estado e a cada indivíduo atingido por esse direito tido como fundamental.

E por se tratar a Segurança de um direito e garantia fundamental protegido pela regra da Cláusula Pétrea, a farsa administrativa travestida de Plebiscito arquitetado pelos mentores intelectuais que compactuam com o GOVERNO DE MÃOS DADAS COM O POVO: A GRANDE OBRA É CUIDAR DO POVO, não tem o poder de desobrigar o Gestor Público do dever de assegurar o usufruto desse bem jurídico.

A campanha oficial intensificada por meio das redes sociais e dos carros de som que circulam na Cidade de Igarapé-Mirí, além de irregulares, não passam de um artificialismo irresponsável adotado com intuito de resgatar a combalida reputação do Chefe do Executivo que está no descrédito público perante o cidadão, mobilizando os recursos públicos existentes para uma questão que se sabe previamente estar revestida pelo manto da ilegalidade, devendo ser repelida tal conduta por afrontar o Estado Democrático de Direito.

Bibliografia

Blog Folha de Igarapé-Mirí. Prefeito propõe plebiscito controverso. Disponível em

http://folhaigmiri.blogspot.com.br/2014/07/prefeito-propoe-plebiscito-controverso.html?spref=fb Acesso em 16.07.2014.

  1. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Presidência da República Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em 16.07.2014.
  2. Lei nº 9.709, de 18 de novembro de 1998.Regulamenta a execução do disposto nos incisos I, II e III do art. 14 da Constituição Federal. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9709.htm Acesso em 16.07.2014.

ESTADO DO PARÁ. PODER LEGISLATIVO. CÂMARA MUNICIPAL DE IGARAPÉ MIRI. Lei Orgânica do Município de Igarapé Miri. Abaetetuba-Pa: Editora Maguen, 2012.

PARÁ. Governo do Estado do Pará. Consultoria Geral do Estado. Constituição do Estado do Pará e Emendas Constitucionais 01 a 51. Atualizada até a edição da Emenda Constitucional nº 51 de 14 de dezembro de 2011 publicada no DOE de 20/12/2011. Disponível em http://www.pa.gov.br/downloads/ConstituicaodoParaateaEC48.pdf Acesso em 16.07.2014.

Blog Folha de Igarapé-Mirí. Prefeito propõe plebiscito controverso. Disponível em

http://folhaigmiri.blogspot.com.br/2014/07/prefeito-propoe-plebiscito-controverso.html?spref=fb Acesso em 16.07.2014.

TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Plebiscitos e Referendos. Disponível em http://www.tse.jus.br/eleicoes/plebiscitos-e-referendos Acesso em 16.07.2014.

 

[1] http://folhaigmiri.blogspot.com.br/2014/07/prefeito-propoe-plebiscito-controverso.html?spref=fb

[2] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9709.htm

[3] O inciso IV, § 4º do art. 60 da Constituição Federal determina:

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

(…)

  • 4º – Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

(…)

IV – os direitos e garantias individuais.

[4] Dispositivo constitucional imutável, que não pode sofrer revogação. Seu objetivo é o de impedir que surjam inovações temerárias em assuntos cruciais para a cidadania e para o Estado. A Constituição Federal determina que a proposta de emenda constitucional tendente a abolir este preceito não será objeto de deliberação. Veja o art. 60, § 4º e incisos da Constituição Federal. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/topicos/290653/clausula-petrea. Acesso em 16.07.2014.

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Lúcio Flávio Pinto

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